09 março 2010

DIVERSIDADE


Edição219
Janeiro/Fevereiro 2009

Claudia Molinari defende a diversidade no avanço de classes multisseriadas


Pesquisadora argentina afirma que todos podem aprender em turmas que reúnem estudantes de diversas idades e níveis de conhecimento


Paola Gentile (pagentile@abril.com.br)
Claudia Molinari. Foto: Rodrigo Erib

CLAUDIA MOLINARI "É preciso imaginar as diferentes situações e a melhor maneira de aproveitar a diversidade em cada uma delas" .

Uma das características da Educação feita em regiões rurais é a organização da turma em classes multisseriadas. Por causa das grandes distâncias entre as propriedades e do baixo número de crianças em cada ciclo ou série, é comum encontrar as que estão em fase de alfabetização estudando com quem já sabe ler e escrever - e todos sob a orientação de um só professor.

Geralmente, a diversidade de faixas etárias, de maturidade e de níveis de conhecimento é apontada como razão para o alto índice de fracasso escolar dos que moram no campo. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios divulgada em setembro do ano passado mostram que a taxa de analfabetismo das pessoas com mais de 15 anos no campo é três vezes maior do que na cidade. Atualmente, esse índice é de 7,6% nas regiões urbanas e 23,3% nas rurais.

Contudo, um programa de formação de professores desenvolvido na província de Buenos Aires – envolvendo docentes e estudantes de Pedagogia, inspetores de ensino e professores de 26 escolas rurais – mostrou que é possível conseguir bons índices de aprendizado nessas condições quando são desenvolvidos projetos ou sequências didáticas que explorem a interação a favor do ensino. Claudia Molinari, professora de Ciência da Educação da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, e uma das coordenadoras do projeto, fala sobre o trabalho.

Muitos professores que lecionam em escolas rurais acreditam que a presença de alunos de várias faixas etárias e com níveis de conhecimento diferentes dificulta o aprendizado. Isso realmente acontece?

CLAUDIA MOLINARI Apesar de a diversidade estar presente em qualquergrupo, na escola rural ela chama muito mais a atenção por concentrar no mesmo espaço – e ao mesmo tempo – crianças de idades muito díspares, da Educação Infantil aos últimos anos do Ensino Fundamental. E, geralmente, o professor não tem um auxiliar trabalhando com ele. A responsabilização da multisseriação pelo fracasso escolar nessas turmas sempre aparece no discurso dos professores. Eles veem nisso um problema que prejudica principalmente o ensino dos menores – os que demandam mais atenção –, mas que também dificulta o dos maiores, que acabam não tendo tarefas ou atividades específicas que osajudem a progredir.

Qual é a principal dificuldade enfrentada pelos que lecionam em classes multisseriadas?
CLAUDIA O maior problema é organizar o tempo didático. Quando se deparam com crianças de várias séries ou ciclos, com diferentes necessidades de aprendizagem, dividindo o mesmo espaço e a atenção deles, os docentes pensam que a solução é fazer planejamentos distintos para cada grupo. Porém essa nunca foi uma estratégia eficiente, pois o professor, durante a aula, precisa correr de um lado para o outro tentando atender a todos e, obviamente, ele não dá conta de acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos. Se tiver de optar por dar mais atenção a um determinado grupo, certamente se dedicará aos que estão em fase de alfabetização, deixando os outros com atividades fáceis de executar para o nível deles – não demandando a intervenção docente –, o que não lhes propicia a construção de conhecimento.

Dedicar tempos iguais para os diferentes grupos seria uma solução mais adequada nesses casos?
CLAUDIA Também não. Alguns professores acham que estão sendo justos quando reservam, por exemplo, meia hora ou outra fração qualquer de tempo para cada agrupamento. Porém nem assim eles conseguem dar um bom atendimento, já que cada um pede um tipo de intervenção. Outros ainda têm a iniciativa de propor tarefas coletivas. Sem dúvida, essa é uma maneira mais interessante do que desenvolver atividades separadas, mas também fica mais fácil cair na armadilha de achar que todos estão envolvidos, quando, na verdade, a mesma proposta pode ser adequada para uns, muito fácil para alguns e difícil demais para outros. Com isso, os alunos deixam de enfrentar situações específicas que estejam de acordo com seus saberes e com os desafios que precisam enfrentar para progredir.

O que o programa elaborado para a capacitação dos educadores rurais da província de Buenos Aires propôs para resolver o problema da organização do tempo e da diversidade?
CLAUDIA A interação entre alunos de diferentes níveis, antes considerada um obstáculo, transformou-se em vantagem pedagógica. Elaboramos um projeto didático totalmente baseado nesse princípio. E deu certo nas 26 escolas que participaram do curso de formação. Hoje sabe- se, por meio de várias pesquisas realizadas na área da Psicologia Social, que o trabalho com os pares é favorável à aprendizagem. Pesquisas conduzidas pela educadora Mirta Castedo, também da Universidade de La Plata, atestam a eficiência dos grupos. Neles, as crianças sempre apresentam desempenhos cognitivos superiores aos que mostrariam se realizassem as mesmas tarefas individualmente. E isso é verdade tanto para as mais avançadas como para as que têm algum tipo de dificuldade, para as mais velhas e para as mais novas.

As vantagens dessa organização também aparecem em turmas que estão no início da escolaridade, em que o principal objetivo do professor é promover a alfabetização?
CLAUDIA Com certeza. A pesquisadora argentina Ana Teberosky, responsável junto com Emilia Ferreiro pelas pesquisas pioneiras sobre a psicogênese da língua escrita, analisou a maneira como os pequenos da Educação Infantil com o mesmo nível de conhecimento realizam diversos intercâmbios em atividades relacionadas à escrita. Ainda que ninguém em um determinado grupo saiba ler e escrever convencionalmente, todos se ajudam, não só permitindo mas também facilitando a socialização dos conhecimentos. Dessa forma, cria-se um ambiente favorável à aprendizagem.

Qual foi o objetivo didático do projeto desenvolvido com escolas rurais da província de Buenos Aires?
CLAUDIA Nosso objetivo foi fazer com que os alunos de diversas idades aprendessem a ler e a escrever em contextos de estudo. Optamos por tratar de animais em vias de extinção, mas poderíamos ter abordado qualquer outro assunto. Os estudantes tinham de produzir um texto que divulgasse o resultado dos trabalhos. Decidiu-se pela elaboração de uma enciclopédia como produto final. As crianças escolheram os destinatários: os leitores seriam os futuros estudantes da escola, colegas de outras unidades rurais e usuários da biblioteca escolar. Nos acordos feitos, os menores de 1º e 2º anos ficaram responsáveis por escrever as epígrafes, os do 3º ao 5º fizeram os textos sobre os bichos e os de 6º e 7º, a apresentação do problema relativo à ameaça de extinção de animais do nosso planeta. Juntos, todos elaborariam a página de introdução da enciclopédia. Tínhamos um só planejamento, no qual foram previstas tarefas individuais, coletivas e em grupos, menores ou maiores, que estavam sempre se alternando. Esses últimos poderiam se organizar por ciclo (ou série, de acordo com a escola) ou por níveis de conhecimento, parecidos ou não, dependendo dos objetivos de cada etapa.

Em que momentos os alunos trabalharam juntos?
CLAUDIA A turma toda participava do planejamento, dos registros em cartazes das tarefas e dos compromissos assumidos, das exposições feitas pelo professor, das discussões sobre vídeos e materiais selecionados e das decisões sobre as fontes a serem consultadas e as informações para a edição do texto final da enciclopédia. Houve também momentos em que os menores contaram aos maiores o que haviam descoberto durante a pesquisa e vice-versa. Os mais velhos, por sua vez, ouviram os colegas, leram em voz alta todo o material para os pequenos, comentaram e avaliaram com eles a pertinência das informações encontradas de acordo com o objetivo do projeto.

Quais os critérios usados para a formação de grupos?
CLAUDIA Em algumas ocasiões foi interessante juntar alunos em diferentes fases de aprendizagem, nas quais um ajudava o outro a avançar em um determinado aspecto. Noutras, era mais conveniente que crianças com grau de conhecimento equivalente da língua estivessem envolvidas na mesma tarefa para que levantassem hipóteses e discutissem sobre elas sem a presença de um membro que já tivesse se apropriado do modelo convencional de escrita. O agrupamento com crianças do mesmo nível também foi usado nos momentos em que o professor precisava intensificar o ensino de um aspecto específico, como a elaboração de notas sobre os aspectos mais relevantes dos textos lidos e a revisão conjunta dos escritos. Sozinhos, os estudantes leram parte do material de pesquisa, fizeram anotações sobre o tema e elaboraram os primeiros textos, que posteriormente foram compartilhados com toda a turma.

Como é a atuação do professor em projetos como esses?
CLAUDIA É ele quem organiza e agenda os combinados para que os trabalhos avancem – o que não significa que eles não possam ser revistos pela turma, com progressiva autonomia durante o decorrer do tempo. Ele também lê, escreve, comenta ou expõe para os alunos, planeja atividades com propósitos claros para cada etapa e cuida para que haja à disposição uma diversidade de fontes de pesquisa. Além do mais, cabe ao docente organizar a classe da forma mais interessante para atingir as metas, optando por sugerir tarefas individuais, coletivas ou em grupos. É importante também ele atuar no sentido de coordenar o intercâmbio de significados que são construídos no decorrer das atividades, compartilhar as decisões sobre os conteúdos e revisar as produções.

Qual foi a principal dificuldade encontrada ao sugerir esse projeto para classes multisseriadas?
CLAUDIA O primeiro obstáculo foi romper com a prática habitual de sala de aula. Os professores tinham consciência de que os resultados não apareciam com a prática que mantinham até então. Mesmo assim, sempre existe uma resistência natural à mudança. Certamente, o uso de projetos como o que elaboramos requer um planejamento mais detalhado e difícil, pois é preciso imaginar as diferentes situações e a melhor maneira de aproveitar a diversidade em cada uma delas. Porém tudo muda quando os docentes percebem que a aula se torna menos desgastante para eles e mais aproveitável para todos. Tivemos ainda de fazer esforços para acabar com ideias como a da fragmentação dos conteúdos, o que não pode acontecer em projetos didáticos.

Essa forma de organizar a classe e usar a heterogeneidade e a interação a favor do ensino pode ser usada em qualquer disciplina?
CLAUDIA Dá para ensinar a ler e a escrever com conteúdos de Ciências Naturais, Ciências Sociais ou de qualquer outra matéria. Também é possível ter outros objetivos e produtos finais relacionados a qualquer área do saber.

Muitas vezes os professores de escolas rurais não se animam em fazer projetos didáticos por não ter uma comunidade ao redor para compartilhar o produto final. Como é possível romper com esse isolamento?

CLAUDIA Especificamente no projeto que desenvolvemos, a interação entre escolas foi facilitada pelo contato que os professores estabeleceram durante a formação. Mas uma das coisas que eles aprenderam foi a possibilidade de criar situações didáticas que acabem com o trabalho solitário. Para isso, pensou-se no uso de diferentes mídias, que conseguem atingir até os destinatários mais distantes. As escolas que trabalharam conosco no programa de formação produziram material impresso, pois as unidades que participaram do programa tinham computador, mas não acesso à internet. Porém é possível também fazer gravações em áudio e vídeo para serem enviadas pelo correio ou eletronicamente quando houver esse recurso.

Fonte:
Revista Nova Escola

02 março 2010

COMUNIDADES QUILOMBOLAS

TIMBÓ

O quilombo de Nossa Senhora de Nazareth do Timbó está localizado em Iratama, distrito pertencente ao Município de Garanhuns, situado no agreste meridional de Pernambuco. Nesse município estão localizadas também as comunidades quilombolas Castainho, Estivas, Estrela, Tigre, entre outros.

Segundo os moradores mais antigos, a origem do quilombo está relacionada à chegada a Garanhuns de um escravo fugido da Bahia, o Negro Roque. Nesta cidade, Negro Roque foi trabalhar com o padre do local. Sentindo que seu dono poderia estar em seu encalço, Negro Roque confessou ao religioso que era um cativo fugitivo e pediu ajuda, caso o seu senhor aparecesse por ali. Então, eles combinaram que, se isso ocorresse, o sacerdote compraria a sua alforria.

Em poucos dias, o dono do Negro Roque chegou ao agreste pernambucano. O religioso cumpriu a sua palavra e comprou a liberdade de seu ajudante e de seus três filhos, que viviam escravizados na Bahia.

Tornando-se livres, Roque e seus filhos, a conselho do padre, começaram a procurar um lugar desabitado para que pudessem viver e trabalhar. Encontraram a área onde hoje está a comunidade e o sacerdote sugeriu que o terreno fosse regularizado por meio do pagamento anual do dízimo de foro.

A forma de proteção legal conseguida por Roque às suas terras foi estabelecer que tal área era de propriedade de Nossa Senhora de Nazareth. Aos poucos, outros negros foram chegando ao local e se estabelecendo em Timbó. Roque casou-se novamente, aumentou sua família e viveu ali até seus últimos dias.

Nossa Senhora de Nazareth tornou-se a padroeira da comunidade, que ergueu, no passado, uma capela em seu nome e organiza anualmente uma comemoração em sua homenagem.

A grilagem do território
Ao longo do século XX, os quilombolas de Timbó foram vítimas de violências e grilagem. Como resultado desse processo tiveram seu território reduzido significativamente.

No território da comunidade vivem apenas 33 das 175 famílias que compõem o quilombo. As outras pessoas vivem em terrenos pertencentes à Igreja católica ou que foram tomadas por fazendeiros.

Os quilombolas relatam que o primeiro fazendeiro a ocupar a área herdada do Negro Roque obrigou os moradores de Timbó a vender partes do terreno, utilizando-se da força bruta de seus capangas. Após a morte deste fazendeiro, sua família loteou várias áreas de Timbó e as negociou com diversos interessados.

A falta de terra e de oportunidades de geração de renda, ocasionadas por tal situação, levou muitos moradores de Timbó a abandonar a área e procurar outros locais para construírem sua vida. Em 2007, uma centena de famílias recebia cestas básicas do governo federal, pois se encontravam em situação de insegurança alimentar.

A comunidade tem lutado em diversas frentes para garantir melhores condições de vida. Por iniciativa dos moradores de Timbó, o quilombo possui uma escola, o Grupo Escolar de Timbó. Tal instituição funciona há cinco anos em uma única sala que, na realidade, é um compartimento da casa do líder comunitário Expedito Ferreira. O Grupo Escolar funciona em três turnos e possui 75 alunos que cursam, em classes mistas, as primeiras quatro séries do Ensino Fundamental.

A luta dos moradores de Timbó tem chamado a atenção de pessoas dispostas a ajudar a comunidade a buscar alternativas de geração de renda. É o caso de diversos artistas pernambucanos que têm realizado oficinas de arte em cerâmica no quilombo.

Em 2005, o Incra deu início ao processo de titulação da área da comunidade com base no artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal. Em abril de 2008, o procedimento encontrava-se na fase de elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, estudo que identificará os limites da terra a ser titulada em nome da comunidade.


Saiba mais:

• Acompanhe o andamento do processo de titulação no Incra
• Conheça o passo a passo do caminho da titulação




Veja também:


• Escravidão e resistência em Pernambuco
• Articulação das Comunidades Quilombolas de Pernambuco
• Conceição das Crioulas
• Castainho
• Serrote do Gado Brabo
• Onze Negras
• Timbó
• Fontes de consulta